Revista Pernambuco #23
Sinopse
Tão nosso quanto a bela monstruosidade humana
Frankenstein é um grande exemplo na história da literatura de quando o/a personagem suplanta o/a autor/a. Levando-se em conta os mais de 50 anos vividos por Mary Shelley, ela produziu poucos romances. Nenhum alcançou a fama da sua obra de estreia, cujo argumento lhe foi proposto antes dos seus 20 anos de idade.
O seu livro, um dos mais adaptados para o cinema, ganhou mais uma versão na Sétima Arte. Começa agora a ser visto no Brasil, depois de uma elogiada apresentação prévia em festival internacional, no fim de agosto. Uma produção da plataforma Netflix.
Na relação constante de literatura e cinema, este deve muito mais àquela do que aquela a este. Mas é como uma relação aberta, ou um matrimônio com separação de bens. Cinema é essencialmente imagem em movimento. A literatura é muito mais do que isso, mas, quase sempre, como “um novelo enrolado para o lado de dentro”.
O subtítulo do romance Frankenstein explica-o por completo. É mais do que um Prometeu moderno. É um Prometeu elevado ao quadrado, pois aí, trata-se de hybris em um nível ainda mais acentuado do que o mito do pobre Prometeu. Victor, ao decidir criar um novo ser, põe-se na situação do próprio Deus. Exemplo extremo daquela hybris pensada pelos gregos para designar a arrogância cheia de insensatez típica dos humanos que, não satisfeitos com desafiar os desígnios divinos, querem suplantá-los. O melhor estudo sobre o assunto continua a ser Hybris: A study in the values of honour and shame in Ancient Greece, de Nick Fisher.
Não surpreende o sucesso da história de Frankenstein. Não se deve apenas ao talento da sua autora. Figuras como Frankenstein e Ulisses têm muito mais a ver com o nosso tempo, do que o Fausto, outra figura, de certo modo, arquetípica das inquietações humanas. Porém, há um pouco de Fausto nelas. Os gregos prezavam o senso de “medida”, de limite nas coisas. Nós gostamos do contrário. Super, superar, ultra, ultrapassar... Gostamos de verbos assim. Quando éramos somente humanos demasiado humanos, nos contentávamos com desobedecer à ordem divina e comermos o fruto da árvore do conhecimento. Disto nasce a ciência. Agora que ficou chato ser moderno, como disse o poeta, queremos ser eternos. Victor Frankenstein (e o seu inferno) não é o outro, somos (cada um de) nós.
Mario Helio | Editor
Características
- Edição: Novembro/2025
- ISBN: 9772527011005 000
Etiquetas: Frankenstein, Mary Revista Pernambuco, Pernambuco, novembro, 22, Shelley, literatura, cinema, adaptação, Netflix, mito de Prometeu, hybris, filosofia grega, ciência, modernidade, arquétipos, Victor Frankenstein, personagem literário, obra clássica, romantismo, mito, cultura, humanidade, Mario Helio

